Parecer Jurídico n. 02/2021. O.S.

Por Osvaldo Simonelli


Assunto: Cirurgia Plástica Estética.

Ementa: Cirurgia Plástica. Finalidade Reparadora e Estética. Insatisfação com o resultado. Análise da documentação médica. Obrigação de meio. Necessária Comprovação quanto a informação corretamente repassada à paciente e demonstração quanto ao efetivo zelo profissional.

1. Breve Resumo dos Fatos.

Trata-se, em apertada síntese, de situação envolvendo reclamação formulada por paciente em decorrência de procedimento cirúrgico para melhora de estética do lábio e correção de fonação e respiração, em razão do histórico de fenda palatina e lábio leporino corrigido durante a fase infante, cujo resultado julga insatisfatório.

2. Do Parecer Jurídico.

Há uma tendência jurisprudencial no sentido de que cirurgias plásticas com finalidade estética atrairia uma responsabilidade de resultado – o que, filosoficamente, discordamos e será abordado adiante.

Segundo o quanto decidido no âmbito do REsp 1.097.955 – MG, de relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrigui, há cirurgias com características mistas, estética e reparadora, no mesmo ato médico:

PROCESSO CIVIL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. CIRURGIA DE NATUREZA MISTA – ESTÉTICA E REPARADORA. LIMITES. PETIÇÃO INICIAL. PEDIDO. INTERPRETAÇÃO. LIMITES.

1. A relação médico-paciente encerra obrigação de meio, e não de resultado, salvo na hipótese de cirurgias estéticas. Precedentes.

2. Nas cirurgias de natureza mista – estética e reparadora –, a responsabilidade do médico não pode ser generalizada, devendo ser analisada de forma fracionada, sendo de resultado em relação à sua parcela estética e de meio em relação à sua parcela reparadora.

[…]

Neste sentido, a cirurgia relatada parece atrair a mencionada natureza de ordem mista, em que se busca uma reconstrução de ordem física e, ao mesmo tempo, um possível embelezamento.

Não se pode olvidar que o termo “estética” decorre do grego ‘aisthésis’, cujo significado principal deriva da “faculdade de sentir”, “percepção”, ligado intrinsecamente à própria visão de autoestima e colocação do indivíduo frente à sociedade. A sua visão de mundo e como nele cada um se coloca.

Segundo a filosofia grega: percepção.

Trata-se, portanto, da experiência própria, na medida que cada um tem uma visão absolutamente pessoal e individual do seu próprio corpo.

Esta conceituação é de suma importância para que eventuais equívocos jurisprudenciais possam ser reformados, no sentido de que, mesmo diante de um procedimento estético, não há uma descaracterização da medicina enquanto prestação de serviço de meios.

O resultado sempre trará consigo um determinado grau de incerteza decorrente da álea procedimental.

A biologia humana impede que tenhamos certeza quanto ao desenlace procedimental, sendo que a questão fulcral se encontra, não no ato médico praticado, mas em eventual promessa que o antecede e, quanto a este aspecto, não há relação alguma com a esteticidade do procedimento.

Cabe destaque, neste momento, que o Código de Ética Médica possui, como um de seus princípios basilares, a descrição de que: “XX – A natureza personalíssima da atuação profissional do médico não caracteriza relação de consumo” [Resolução CFM. n. 2.217/18].

Promessa de resultado é, portanto, um contrato e o seu descumprimento gera indenização e isso, repita-se, não depende de uma determinada categoria ou atuação médica.

Se, acaso, o cirurgião cardíaco promete, afirma, que uma revascularização do miocárdio será um sucesso absoluto e, eventualmente, o paciente vem a falecer, firmou-se um contrato de resultado e o descumprimento de uma obrigação previamente assumida, acarretando, portanto, o dever ressarcitório – se nos atermos apenas à questão da responsabilidade civil.

Tal conduta, de maneira alguma, desvirtua a medicina, mas apenas impõe à conduta médica, diante do caso concreto, uma possibilidade de quebra contratual que, por vezes, é apenas verbalizada e não reduzida a termo – o que não desobriga o profissional a cumprir o quanto previamente apalavrado.

Assim, os fatores a serem analisados, diante do caso ora posto, são: 1. Se houve o devido esclarecimento quanto à situação de origem e os possíveis resultados; 2. Se o profissional adotou a melhor técnica para obter o melhor desenlace procedimental.

Tais condições são passíveis de análise a partir, inicialmente, de dois fatores.

O primeiro, especificamente voltado à compreensão do que foi previamente acordado, consubstanciado por intermédio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em que, mais importante do que o próprio documento, definitivamente, é o diálogo que o antecede.

O segundo repousa, justamente, no correto preenchimento da documentação médica, notadamente do prontuário, entendendo-se como tal o conjunto de documentos que compõem o histórico de saúde do paciente.

Através do prontuário médico é possível estabelecer uma visão completa sobre o atendimento prestado ao paciente, inclusive acerca da sua condição efetiva prévia e os resultados obtidos.

Portanto, firmamos aqui o entendimento contrário a determinada corrente jurisprudencial e doutrinária no sentido de que a medicina, praticada com finalidade estética, é eminentemente de resultado.

Tampouco nos filiamos à corrente que aplica aos procedimentos médicos com finalidade estética a chamada “teoria do risco”, prevista no art. 927, parágrafo único do Código Civil[1], na medida em que, como efetivamente demonstrado alhures, a medicina sempre permanecerá – em sua essência – como uma atividade de meios e não de resultados.

Há que se diferenciar o erro médico praticado por tal profissional, quando do momento oportuno, mas este não é o foco do presente parecer.

Nesta senda, no caso em voga, estamos diante de uma paciente com um quadro pretérito, em que o procedimento cirúrgico visava uma reparação/reconstrução, com melhoria do sistema respiratório, aliado a um aspecto voltado ao aperfeiçoamento da aparência.

Assim, é um procedimento de natureza mista, como definido no âmbito do Recurso Especial susomencionado.

Entretanto, não há que se considerar o mesmo como “promessa de resultado”, apenas pela sua natureza estética, a depender, invariavelmente da análise diante do caso concreto, no que se refere ao completo esclarecimento prévio do procedimento e, igualmente importante, o acompanhamento pós-operatório, que tende a ser uma das queixas frequentes em processos desta natureza.

Além disso, a atuação diligente e o grau de zelo do profissional serão os elementos fundamentais a serem analisados, à luz de toda a documentação médica existente, extraindo-se a relevância quanto ao seu correto preenchimento.

Portanto, a insatisfação pessoal que envolve o resultado é elemento altamente subjetivo, e não deve ser o principal supedâneo a caracterizar o erro procedimento ou, ainda, o dever indenizatório [precedentes STJ: ARESP 1.318.488]

Nesta senda, é de se destacar que uma obrigação de resultado que demande a análise da culpa – com a devida vênia aos entendimentos contrários – não se pode assim ser catalogado, evidenciando o equívoco na interpretação que é dada à atividade médica estética.

Atividade médica é, portanto, prestação de serviços de meios e não de resultado, em qualquer dos seus ramos e especialidades.

3. Conclusão do parecer (opinio iuris).

Diante de tudo quanto exposto e respeitando posicionamentos contrários, forçoso concluir que a atividade médica não pode ser convertida em prestação de serviços de “resultado” apenas pela sua finalidade, in casu, a estética.

A natureza reparadora sempre estará presente na atuação médica, na medida em que o aspecto embelezador visa, também restabelecer uma visão de autoestima, em plena conexão à origem grega do termo: ‘aisthésis’.

A demonstração quanto ao efetivo zelo profissional é elemento fundamental à caracterização da má-prática profissional, mesmo no âmbito estético, o que não é impeditivo à análise quanto a eventual erro cometido.

É o parecer, s.m.j.

Desenho com traços pretos em fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média São Paulo, 4 de janeiro de 2021.

Osvaldo Simonelli[2]

OAB [Subseção São Paulo] n. 165.381.

O presente parecer é produzido para fins acadêmicos e profissionais. É baseado em situações hipotéticas, sendo que qualquer semelhança com casos concretos é mera coincidência. Pode ser reproduzido total ou parcialmente citando-se a fonte da seguinte forma:

<http://localhost/sites/simonelli/site-tmp/blog/> Parecer Jurídico n. 02/2021. Autoria: Osvaldo Simonelli. Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde.

  1. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

    Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

  2. Pós-Graduado em Direito Público.

    Pós-Graduado em Direito Processual Civil.

    Mestre em Ciências da Saúde.

    Idealizador do Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde – IPDMS®.

    Idealizador do Programa de Formação e Direito Médico®.

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Oswaldo Simonelli

O Prof. Me. Osvaldo Simonelli é advogado, formado em 1998, pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

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