Prontuários Médicos. Encerramento de Atividades.

Por Osvaldo Simonelli


Parecer Jurídico n. 05/2021. O.S.

Assunto: Prontuários Médicos. Encerramento de Atividades.

EMENTA: Descarte de prontuários médicos. Fechamento de clínica. Encerramento das atividades. Responsável pela guarda dos prontuários. Ausência de normas éticas a respeito. Possíveis soluções.

1. Breve Resumo dos Fatos.

Trata-se, em apertada síntese, de dúvida acerca do destino dos prontuários médicos e demais documentos quando há o encerramento das atividades de um estabelecimento de saúde ou, ainda, pelo falecimento de seu titular responsável.

2. Do Parecer Jurídico.

A presente questão representa uma grande aflição aos médicos em geral, mas principalmente Diretores Técnicos e Clínicos de instituições de saúde, com reflexos diretos em seus familiares, considerando que a regra geral de guarda dos prontuários médicos disciplinada pela Resolução CFM n. 1.821/07 assim dispõe em seu artigo 8º:

“Art. 8º. Estabelecer o prazo mínimo de 20 (vinte) anos, a partir do último registro, para a preservação dos prontuários dos pacientes em suporte de papel, que não foram arquivados eletronicamente em meio óptico, microfilmado ou digitalizado.”

Evidentemente que a guarda de tais documentos por este período encontra respaldo na necessidade de continuidade e à efetividade dos tratamentos médicos ao longo dos anos; entretanto, por vezes, acaba impondo um ônus excessivo aos familiares dos profissionais médicos quando de seu passamento ou, ainda, ao próprio médico no momento em que decide por encerrar suas atividades.

Resta a impressão de que o prontuário médico é um ônus perpétuo a ser carregado pelo médico e, extensivamente, por sua família, o que seria algo inaceitável.

Envolvendo esta questão, o Egrégio Conselho Federal de Medicina emitiu parecer consulta sob n. 3.120/94 – CFM 31/95[1], cujo transcrição parcial segue abaixo:

“Quando o arquivo pertencer a uma instituição, hospital ou casa de saúde, um substituto ocupará a sua função e herdará os arquivos, pois, conforme já dito, o arquivo pertence ao local de trabalho.

Podem também ser considerados, herdeiros mesmo em consultórios, serviços e departamentos particulares, os médicos assistentes diretos, com os quais a própria clientela detinha o costume e a indicação da confiança do titular, quando em exercício.”

Fato é que tais documentos médicos não podem ser simplesmente descartados por diversas razões, dentre as quais destacamos serem de propriedade dos pacientes, estando sob a guarda do profissional, além do sigilo que os protege, chegando a um problema que beira a insolubilidade.

Seguindo as mínimas orientações postas pelo E. CFM, quando há uma sucessão empresarial ou até mesmo profissional, há que se providenciar a transferência da documentação para os sucessores médicos ou manter-se sob a guarda dos que ainda permaneceram na instituição, o que acarreta em uma solução tranquila.

Tal medida facilita o acesso de tais documentos, inclusive, quando há o retorno de pacientes para prosseguimento de seus respectivos tratamentos. Contudo, tal desenlace resolve uma pequena parcela do problema apenas.

O E. CFM disciplina, ainda, uma categoria de “herdeiro médico”, em que, diante do óbito do titular da clínica, médico responsável, há a transmissão para os seus sucessores médicos, mantendo-se a documentação no mesmo ambiente.

Prossegue, ainda, o mencionado parecer, ao tratar da impossibilidade de transmissão de tais documentos quando o médico falece, e não resta outro profissional que possa se responsabilizar pela documentação:

“Com a morte se esvai toda a responsabilidade do médico pelo segredo. O que deveria ter sido informado aos pacientes ou responsáveis, ou notificado compulsoriamente, com certeza já fora feito em vida ou, pelo seu entendimento em contrário quanto a casos específicos, deve acompanhá-lo ao sepulcro. É óbvio que não podem ser os familiares responsáveis naturais ou “ad-hoc” pela guarda dos arquivos, por determinação de normas ou leis sanitárias, ético- profissionais ou da Justiça comum. Na verdade, assim deve ser, não somente pela responsabilidade jurídica, mas também por que somente caberia ao médico já falecido definir o que poderia ser ou deixar de ser a violação do lacre do bom senso para o acesso à informação.

Tendo em vista o exposto o arquivo particular de médico falecido sem herdeiro profissional deve então ser incinerado por pessoa de convivência diária direta, familiares ou secretária particular”.

Assim, a incineração nos parece ser uma alternativa viável e plausível para que não haja violação do sigilo médico, restando, entretanto, uma lacuna quanto a necessidade destes documentos para a continuidade de eventuais tratamentos destacando-se que o parecer também não retrata a hipótese do médico simplesmente se aposentar ou encerrar as suas atividades, sem qualquer sucessor ficando, em tese, responsável por tal guarda documental.

Nesta hipótese última, parece ser recomendável que seja adotada a mesma sistemática aplicada ao óbito do profissional, qual seja, a incineração, acrescentando-se, a ambas as hipóteses ora retratadas, apenas mais uma etapa procedimental.

Assim, antes de determinar a incineração da documentação, tal ato deve ser precedido de um breve Edital publicado em jornal de circulação local, onde o médico prestava suas atividades, com curtas informações quanto ao encerramento, indicando a data em que será levada a efeito a incineração da documentação para que, eventuais interessados/pacientes possam proceder à sua retirada definitiva.

Isso faz com que o ato final de eliminação irreversível da documentação não inviabilize o direito dos pacientes de terem acesso à sua documentação médica de forma efetiva e transparente sendo que, por óbvio, o Edital não deve relacionar nomes ou informações protegidas pelo sigilo médico, mas apenas e tão-somente o encerramento das atividades da clínica ou do estabelecimento de saúde, com prazo para que eventuais pacientes possam exercer este direito.

3. Conclusão do parecer (opinio iuris).

Diante de tudo quanto exposto e respeitando posicionamentos contrários, forçoso concluir que, diante da ausência de uma normativa específica do E. Conselho Federal de Medicina, seria permitido, nas situações narradas acima, a incineração dos prontuários médicos, adotadas as cautelas indicadas.

Outrossim, destacamos que o presente parecer não tem o condão de esgotar todas as hipóteses a respeito do tema sendo que, diante de alguma dúvida objetiva a respeito de situações que envolvam eventual descarte de documentação médica poderá ser consultado o respectivo Conselho Regional de Medicina.

É o parecer, s.m.j.

Desenho com traços pretos em fundo branco

Descrição gerada automaticamente com confiança média São Paulo, 15 de março de 2021.

Osvaldo Simonelli[2]

OAB [Subseção São Paulo] n. 165.381.

O presente parecer é produzido para fins acadêmicos e profissionais. É baseado em situações hipotéticas, sendo que qualquer semelhança com casos concretos é mera coincidência. Pode ser reproduzido total ou parcialmente citando-se a fonte da seguinte forma:

<http://localhost/sites/simonelli/site-tmp/blog/> Parecer Jurídico n. 05/2021. Autoria: Osvaldo Simonelli. Ed. Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde. São Paulo. Março 2021.

  1. https://sistemas.cfm.org.br/normas/arquivos/pareceres/BR/1995/31_1995.pdf [acesso em 15 de março de 21]

  2. Advogado. Professor. Jornalista.

    Pós-Graduado em Direito Público.

    Pós-Graduado em Direito Processual Civil.

    Mestre em Ciências da Saúde.

    Idealizador do Instituto Paulista de Direito Médico e da Saúde – IPDMS®.

    Idealizador do Programa de Formação em Direito Médico®.

Oswaldo Simonelli

O Prof. Me. Osvaldo Simonelli é advogado, formado em 1998, pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

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